Desafios
Algumas verdades guardamos até de nós mesmas. Elas estão sempre lá, e sabemos. Apenas preferimos ignorá-las. Fingimos que estão escondidas e que são inatingíveis. Achamos que tanta poeira se acumulou sobre elas que é impossível lembrar que ainda estão vivas. Se fossem livros, seriam aqueles que mantemos no fundo da estante, longe da nossa própria vista, atrás das capas novas e reluzentes que acumulamos ao longo dos anos. Se fossem músicas, seriam aquelas que pulamos toda a vez que vai tocar porque não nos permitimos ouvi-las, mas mantemos na playlist. São como um vinho que fica aberto por muito tempo: amargas, difíceis de engolir, mas ali na garrafa que não queremos jogar fora. São uma presença constante e um ausência ainda mais constante. Mas às vezes nos permitimos abrir as páginas secas do livro, antes que sequem, mofem e se percam na histórias. Sentimos a necessidade de ouvir aquela música antiga, que sempre nos fazia chorar. Bebemos o último gole do vinho porque não podemos desperdiçar essa chance. Ele desce pela garganta amargo, é difícil de engolir, o gosto é repugnante. Mas quando passa sentimos a satisfação de finalmente ter feito aquilo, sabe.
Então eu sinto que isso foi o maior desafio, já que você queria saber. Parte de mim estava fugindo dessas verdades empoieradas, doloridas, amargas. Mas a outra parte de mim sabia que eu era corajosa e forte o suficiente para encará-las. Eu já imaginava que esta parte ia finalmente vencer. Agora os sentimentos são um misto de orgulho e medo. Orgulho por ter articulado aquilo que não queria admitir que era verdade. Medo por tudo aquilo que ainda está guardado e vai ter que ser arrastado para fora. “But nothing safe is worth the drive” right?
Madrugadas frias
Budapest-9.12.2021 * Vienna-11.12.2021